Rui Moreira defende nova configuração do espaço e reitera confiança em Nuno Faria, diretor artístico do Museu da Cidade. PS e PSD contestam.
“Nenhum espólio foi destruído, nenhuma obra desperdiçada, nem ninguém pode acusar-nos de não termos preocupações patrimoniais”, argumenta, ao JN, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, a propósito da polémica que arde há cinco dias sobre a nova configuração do ex-Museu Romântico da cidade.
“Simplesmente”, continuou o também vereador da Cultura, “a nossa visão do Romantismo não é a de uma casa com janelas entaipadas e exposições apresentadas por trás de baias, para que as pessoas ali imaginem a vida dos ricos ou dos nobres do século XIX”.
Há quem não veja assim o assunto, pelo que são já mais de 1500 os subscritores de uma petição a pedir “a reposição da decoração interior oitocentista do Museu Romântico da Quinta da Macieirinha”, onde viveu Carlos Alberto de Savoia. Em 1849, o antigo Rei da Sardenha, derrotado pelo exército austríaco, seguia para o exílio quando, ao passar no Porto, se sentiu mal. Daí ter alugado aquela casa que em tempos foi propriedade da família Ferreira Pinto Basto. Ali viria a morrer pouco tempo depois.
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A polémica sobre o ex-Museu Romântico do Porto, agora designado “Extensão do Romantismo – Museu da Cidade”, rebentou na passada sexta-feira, dia da inauguração da Feira do Livro, quando uma publicação no Facebook daquele evento literário anunciou: “Se conhecia o anterior Museu Romântico da Macieirinha, prometemos que este novo espaço nada tem a ver com o local que outrora visitou. O espaço despiu-se dos adereços de casa burguesa oitocentista e vestiu-se de contemporaneidade.”
Em poucos minutos, as redes sociais chumbaram a mudança e tornaram o tema viral.
Rui Moreira repudia os termos do anúncio – “Houve um problema de comunicação da Ágora, que usou um tom provocatório, que acirrou justificadamente as pessoas” -, mas reitera a confiança no diretor artístico do Museu da Cidade. “Assumo a responsabilidade política pela grande escolha de Nuno Faria. Continua a merecer toda a minha confiança – ele e a equipa.”
Já Nuno Faria, que assumiu o cargo em 2019, depois ter dirigido, durante seis anos, o Centro Internacional de Artes José de Guimarães, em Guimarâes, defende, numa longa entrevista ao JN, que a aposta incide sobre um “espaço mais inclusivo que se dedique, agora, verdadeiramente ao escrutínio do Romantismo na cidade nas suas diferentes facetas, dando protagonismo aos verdadeiros protagonistas, que são os artistas, escritores e músicos, por exemplo”.
De resto, ressalva o historiador da arte, está a espalhar-se um equívoco sobre a filosofia a que obedece agora o espaço. “Não se trata de substituir os artistas contemporâneos ou a arte contemporânea pelas obras de outros tempos. Trata-se, isso sim, de fundar um museu que dialogue e reaja ao tempo em que existe, que seja mais dinâmico, que seja permeável a novos discursos e inquietações.”
Neste sentido, continua, “interessa-nos promover diálogos entre épocas e linguagens, entre a arte e a música, entre a escrita e arquitetura, criando uma plataforma mais alargada de fruição e de discussão, o que começará desde já a acontecer no final deste mês de setembro com o programa musical concebido pela pianista e professora Sofia Lourenço e pelo maestro e organista Pedro Monteiro, que incide sobre autores portuenses do período romântico.”
Dois temas distintos têm, de facto, servido de combustão à polémica: o modelo expositivo do interior e a incompreensão relativamente a um imóvel que Rui Moreira inaugurou em 2018, e que então representou um investimento superior a meio milhão de euros, financiado quase na totalidade por fundos europeus.
O autarca esclarece, por um lado, que a exposição anterior esteve patente durante três anos e nunca pretendeu ser definitiva; por outro, que a verba não foi utilizada na musealização mas sim na requalificação da casa, nomeadamente no telhado, nas janelas, nos quadros de eletricidade e nas cascatas de água.
Também ouvido pelo JN, Camilo Rebelo, arquiteto responsável pelo projeto, corrobora. “Tive uma intervenção ao nível do acesso, da inclusão (para pessoas com mobilidade reduzida) e da iluminação do espaço. Tudo isso se mantém. O que foi acrescentado é mais um passo na qualificação da casa e da cidade.”
A presente polémica, lembra o autor do Museu do Côa, é semelhante à que teve Álvaro Siza em 1995, quando inaugurou a exposição “A Ordem do Ver e do Dizer””, na Casa de Serralves. “Começou a abrir as janelas, que também estavam entaipadas, e foi um escândalo. Também ali foi dado um passo em frente.”
Fonte: JN
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