Artigo : LA DOLCE VITA por César Nóbrega

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LA DOLCE VITA
por César Nóbrega
jornalista

Vivemos num mundo de “papparazzis”. O termo para os fotógrafos que procuram escândalos terá sido usado pela primeira vez por Frederico Fellinni no filme “La Dolce Vita”. Papparazzo é o amigo fotografo de Marcello, o protagonista. O filme é de 1960 e conta a história de um jovem jornalista à procura do seu lugar na sociedade, um homem perdido por mulheres bonitas e pelas luzes da fama. O jornalismo que faz é o, apelidado agora, de jornalismo cor-de-rosa. E numa altura em que nos cinemas está mais um filme de Woody Allen sobre Roma (“Para Roma, Com Amor”) parece o filme ideal para rever.
À medida que Marcello procura histórias e mulheres, o filme salta de excentricidade em excentricidade. Poucos filmes são tão actuais meio século depois. Aquele é o jornalismo dos nossos dias. O jornalismo do momento, do escândalo, da pessoa que é famosa, só porque é famosa (curiosamente, no filme de Woody Allen, Roberto Benigni encarna uma dessas personagens, o homem que a televisão quer ver barbear-se).
O apelo do sucesso pelo sucesso deixa-nos inebriados. Quer se queira quer não, qualquer um de nós gosta dos seus 15 minutos de fama. Sabe bem ao ego e não só. Mas dantes as coisas eram feitas de maneira diferente. Tudo era mais ponderado. Da meia-hora de Telejornal dos meus tempos de menino, há 30 anos, até à hora e meia foi um passo. Do “Passeios dos Alegres” do Júlio Isidro até à “Casa dos Segredos” foi outro, ainda mais pequeno.
Importa saber que o governo quer subir os impostos… não importa é ouvir 30 especialistas de coisa nenhuma, cada um com uma ideia mais peregrina que outra. Interessa conhecer o povo português mais pacato, não interessa conhecer os seus “fetiches” e vida diária. Aliás, a maior parte de nós leva uma vida bem desinteressante – não temos culpa – é assim que tem de ser.
O actual mundo da informação é mais um mundo de desinformação que outra coisa.
Os jornalistas são os principais responsáveis por esta situação. A Internet veio mudar a forma como se comunica, investiga e procura. Nesse “sítio de todas as coisas” onde a informação vai morrer, encontrar o que queremos pode revelar-se um trabalho difícil. Por essas e por outras temos de continuar a confiar em alguém para nos fazer o “gatekeeping” (um termo jornalístico para filtragem da notícia, o que importa e o que é lixo). O problema é que nos últimos anos, pelos mais variados problemas, essa definição da notícia tem vindo a degradar-se. O facto dos meios de comunicação actuais preferirem jovens licenciados a estagiar de graça é uma das razões. O excesso de informação é outra. Quando comecei a trabalhar em jornalismo, nos anos 90, os telex da Agência Lusa eram a principal matéria prima das redacções, além do normal trabalho de campo, as reportagens e entrevistas feitas por cada um dos jornalistas.
O jornalismo tem de parar para pensar. Todos os anos saem centenas de novos “jornaleiros” preparados para repetir a “propaganda” das agências de comunicação. O jornalismo já não se faz nas redacções. Nos casos mais extremos, o jornalismo faz-se nos gabinetes dos primeiro-ministros.
O filme de Frederico Fellini e o jornalismo têm mais em comum do que parece. Quando temos 18 anos andamos à procura da “La Dolce Vita”. Quando chegamos aos 40 já percebemos que não existe essa vida de sonho, mas tivemos que descobri-lo pelas nossas cabeças, se não nunca chegaríamos a lado nenhum. Está na altura de o jornalismo atingir a idade adulta e começar a informar as pessoas.

 

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